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Artigo N.º 4286 - O Processo de Jeus - 4 Parte ( O Processo segundo Renan )
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Postado em: 11/02/10 às 19:31:35 por: James
Categoria: Artigos
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Os "Cidadãos Romanos"

Justificada a attitude do Synhedrio, Renan passa a preparar o animo do leitor em favor de Pilatos. Começa, pois, dizendo que "todos os actos de Pilatos que nos são conhecidos, o mostram como administrador". Bôa qualidade, sem duvida, mas que não impediu a Philon, que o conhecia mais de perto, de attribuir-lhe uma "natureza rude" e qualifical-o de "prepotente e implacavel".

 

Desejára Pilatos, como observa o escriptor francez, "salvar Jesus", porque, afinal, pareceu-lhe,   depois de o  ter interrogado, apenas um "sonhador inoffensivo". Lembrára-se  então, de trocar Jesus por Barabas, mas falhou o plano, o que lhe causou bastante embaraço, receiando até que "tanta indulgencia com um accusado... o viesse comprometer." (1)  

Então o bom administrador, que acabára de  reconhecer em Jesus  um cidadão "inoffensivo", o condemnou, tanto para agradar á patuleia e aos membros do Synhedrio, ao supplicio da flagellação.  Supplicio barbaro, tão barbaro, que o proprio Cicero qualificára-o de media mors, meia  morte. 

Depois da flagellação os soldados  entregaram-se a outros actos de verdadeira selvageria, pondo-lhe sobre os hombros uma farda vermelha, na cabeça uma corôa de espinhos, uma canna nas mãos, esbofeteando-o, cuspindo-lhe no rosto, arrancando-lhe a barba, etc., etc.

Mas veja bem o leitor: O Renan tomou o alvitre de não crêr em tal vandalismo. Porque, "custa a  comprehender, diz elle, como a  gravidade  romana descesse a actos tão vergonhosos...  Cidadãos romanos, como eram os legionarios, não desceriam a  taes  indignidades!". 

Santa ingenuidade!  Em se tratando dos judeus, admitte, sem custo, a atroz perseguição movida contra Jesus, e comprehende-se:  os "partidos religiosos", diz elle, não recuam, nunca,  perante uma infamia. Mas tratando-se de "cidadãos  romanos", de legionarios, seria um conceder demasiado  admittir que descessem a "actos tão vergonhosos... a taes indignidades!"

De sorte  que de duas uma: ou os Evangelistas  mentiram, o que não se póde suppôr, porque  o proprio Renan reconhece  nos Evangelhos o cunho da sinceridade e  authenticidade historica, ou então a gravidade romana não era tão... grave como quer dar a entender o philosopho francez. Gravidade  romana  e  cidadãos  romanos!

Mas o Sr. Renan zomba, sem duvida, do bom senso dos leitores! Seria preciso  que  o tempo tivesse  consumido toda a historia contemporanea para poder mystificar o publico com dez grammas de falso sentimentalismo.  

Cidadãos romanos?  Mas cidadão  romano, para citar só alguns e dos mais  conspicuos, era Cesar Augusto, tão augusto que fôra denominado o Pae da Patria. Este  Pae da Patria, porém, foi visto arrancar, com suas  proprias  mãos, os olhos ao Pretor E. A. Galio, quebrar as  pernas  a  Tallo, commeter  adulterio em publico e em presença dos proprios  ludibriados maridos. 

Cidadão romano era Tiberio, mas praticou acções  tão torpes, diz Svetonio, que quasi não se  acreditariam "e que deveriam envergonhar não só  em  narral-as como em ouvil-as". 

Os romanos  daquelles tempos, disse, se não me engano, Cesar Cantú, apenas tiveram liberdade de chorar. Mas  foi, sem duvida, uma distracção do grande historiador  italiano esta, porque o citado Svetonio nos faz saber que era prohibido, por Tiberio, chorar a morte dos  parentes assassinados por ordem  imperial. E é conhecido o caso daquella  pobre velhinha, Vicia, que foi condemnada á pena capital, pelo crime de  ter chorado a  morte de Gemini, seu filho. 

Cidadão  romano era Caligula, mas era um monstro, um sanguinario. Estuprou  todas as irmãs. Num jantar mandou cortar as mãos a  um servo só porque tirára uma bandeja dum logar para collocal-a em outro. Um cavalheiro romano, condemnado a  ser devorado pelas féras no Circo, momentos antes do supplicio, só por ter proclamado a  sua innocencia, mandou-o vir á sua presença, arrancou-lhe a  lingua, e ordenou que de novo fosse  atirado ás féras. Depois do espetaculo, mandou, um dia, despedaçar, pelos animaes, todos os  velhos que lá se achavam, os invalidos, os páes de  familias aleijados e doentes. 

Cidadão romano era Tiberio Claudio, era, porém, um jogador, um bebedo, um assassino. Mandou matar seus dois  genros Pompeu e  Silano, trinta e cinco Senadores e mais  de trezentos Cavalheiros romanos. O gladiador que no Circo por uma infelicidade escorregasse, o mandava immediatamente esquartejar á sua presença. 

Cidadão romano era Nero, mas só seu nome inspira terror. Matava  e mandava  matar pelos  mais  futeis  motivos. Assassinou Cassio Lingino porque guardava uma effigie de C. Cassio, P. Trasea porque a natureza não lhe dera um rosto sorridente. Obrigou quatrocentos Senadores e seiscentos Cavalheiros a  se apunhalarem no Circo. Matou Octavia sua mulher  com um pontapé no ventre, matou Poppea, outra sua mulher, que se  achava gravida, mandou assassinar a  propria  mãe. 

Cidadão romano era Domiciano, mas além de  assassino era ladrão. Até o proprio Tito,  delicia do genero humano, mergulhava suas mãos no sangue de seus semelhantes. 

E como se vê, estes  não eram uns simples cidadãos romanos, mas eram tidos como a fina flôr, a nata do patriciado. Eram os homens da purpura e do sceptro, cercados de quanto havia de mais nobre, de mais selecto na força, na opulencia do saber. 

Não consta houvesse um só povo, por mais barbaro, que fizesse do homicidio um divertimento publico. Esta particularidade tem sido  privilegio exclusivo do povo romano. Aos centenares, ao milhares eram, os gladiadores, condemnados a  se matarem nos amphitheatros de Roma, a se matarem  com graça e elegancia,  para satisfazer o gosto sanguinario de um povo que só pedia panem et circenses. 

Quasi não havia um jantar em que os vapores do falerno não se misturassem com os vapores do sangue. Pobres infelizes, arrebatados da patria e do lar, viam-se obrigados a  se esquartejarem aos pés de impudicas cortezãs e truculentos sybaritas, deitados sobre fotos triclinios, porque esta era a moda em vigor, a sobremesa predilecta dos vencedores do mundo. 

As crueldades  praticadas sobre os escravos são inacreditaveis. Suas carnes palpitantes não raro serviam de isca para as mureias. Por qualquer cousa  eram assassinados. Um tal, matou um escravo porque atravessara uma leitôa com um espeto, arma que não podia usar; Gneo Domicio, pae de Nero, matou outro, porque não podia mais beber vinho. Uma escrava destinada ao serviço da toilette, não podia  ageitar, conforme  o capricho da matrona, a rica cabelleira vinda de além Rheno? Ou não podia delinear-lhe, com chumbo pulverizado, os arcos superciliares, de conformidade com as exigencias da moda? Ou deixava cahir, por um descuido involuntario, o ramalhete de myrto destinado a ornar-lhe a  esplendida fronte? Ver-se-ia logo toldar a  serenidade do rosto da illustre matrona, e  essas lindas  mãos, que acabavam de  ser lavadas  em leite de jumenta, guardado em vaso de finissimo metal, armadas de  um comprido alfinete de prata, com este lhe perfuraria cruelmente os braços e os seios. E não satisfeita, mandal-a-ia suspender pelos cabellos para que fosse flagellada pelo lorario, até julgar-se desaffrontada e dizer: basta!

E quanto aos legionarios  romanos, basta folhear Tacito, ou qualquer contemporaneo, para ter uma idéa do requinte de ferocidade com que se  haviam com os vencidos. 

E não podia  ser diversamente, desde  que a carencia absoluta de qualquer  sentimento humanitario era elevada á altura de um principio. E como podia  ser de outro modo numa  época em que o homem era  para outro homem um lobo, em que a compaixão, a caridade, era uma virtude não só desconhecida  na pratica, mas tomada até como signal de fraqueza, como vicio de caracter, em que o philosopho moralista Seneca ensinava, alto e  bom som, que a  compaixão era uma covardia, miseratio est vitium pusillanimi, a misericordia uma doença moral, propria  da  ignorância, incompativel com os  espiritos cultos,  misericordia est aegritudo ánimae: aegritudo autem in sapientem virum nom cadit!"

Pois bem,  depois desta pagina historica que fomos  obrigados a  citar, com risco de  perder de vista o nosso principal objectivo, para dar apenas  uma amostra da  vileza de  sentimentos do povo romano, perguntamos ao leitor si a  perplexidade de Renan (em prestar fé á  narração evangelica no que se refere aos actos vandalicos praticados pelos  legionarios romanos sobre a pessôa de  Jesus na tragica noite de  quinta para sexta-feira) perguntamos si essa  perplexidade não seria  pueril e ridicula, si não soubessemos que ella esconde um intuito ignobil, qual é o de insinuar no espirito do leitor a duvida  sobre um dos mais  lugubres quadros da  paixão de Christo. 

Sim, intuito  ignobil com que se  attenta, a cada  passo, contra a historia, com que se  adulteram os factos, e com que se põe, na maioria  dos  casos, o leitor na impossibilidade de, mediante  estudos  comparativos, separar o joio do trigo em beneficio da  verdade, sacrificada, constantemente, aos caprichos de uma sciencia sectaria e  falsa.     

   


 

        Notas de rodapé     * Para voltar ao texto, clique no tópico abaixo.   

 (1)  Schegg affirma que a apparente defesa de Pilatos em favor de Jesus não era inspirada por um sentimento de piedade e de justiça, mas pelo odio que Pilatos votava aos Phariseus, inimigos fidagaes e irreconciliaveis dos romanos. E isto concorda perfeitamente com a opinião que formaram delle os que de perto o conheceram. José Flavio, por exemplo, narra que não viu em Pilatos si não tratos de  brutalidade, perfidia e crueldade.  Herodes  Agrippa I, numa carta dirigida a Caligula, classifica ao procurador romano de "pyrronico, atrevido, implacavel" e o accusa de corrupção, prepotente violencia, ladroeiras, maos  tratos, offensas, execuções capitaes, umas seguidas a outras, sem nenhuma  sentença, continua e intoleravel ferocidade". 

De que, aliás, seu sobeja prova no ultimo tumulto que suffocou em Samaria. E singular cincidência! O cabeça do motim popular era um individuo que se intitulava tambem Messias, quão differente, porém, daquelle que Pilatos condemnára injustamente! Pois este ultimo Messias, que promettia  aos samaritanos de mostrar-lhes, sobre o monte Garizim, objetos sagrados ahi  escondidos por Moysés, este Messias, dizemos, foi a causa occasionalda perda e  ruina de Pilatos. O qual, para dominar a revolta, recorreu a medidas tão violentas, que, accusado perante Vitellio, este o obrigou a  ir á Roma para se defender em presença de Tiberio. Antes, porém, de  chegar á Roma, Tiberio tinha morrido. Pilatos teve de  apresentar-se ao seu successor, Caligula, o qual o desterrou para Vienna das Galias,onde, sobrecarregado de males,  multorum malorum compendium, diz Cornelio a  Lapide, morreu miseramente. 

Segundo S. Agostinho, Pilatos, a instancias de sua  mulher, se converteu ao christianismo, opinião que é partilhada tambem  pela  Paradosis Pilatou do seculo 5º. , mas de que  muito duvida C. Lapide. O nome de Pilatos e de sua mulher Procula, se encontram  entre os  Santos do Calendario ethiopico, aos  25 de  junho. Eusebio, entretanto, firmado no Chonicon  e em historiadores romanos, assevera que Pilatos acabou suicidando-se. 

Existe uma lenda: Legenda Aurea  de Jacobus de Voragine, segundo o qual o cadaver de  Pilatos, atirado ao Tibre, provocou tamanha tempestade  que foi preciso retiral-o  e leval-o á Viena, nas  Gallias, onde foi lançado ao Rhodano, antes, á Losanna, depois, e  como  em toda  parte se manifestavam as mesmas convulsões meteorologicas, acabou-se por atirar o cadaver a  um pequeno lago, situado sobre o monte Frakmüd, fronteiro ao lago de Lucerna, monte  que veiu a  ser denominado, por isso Monte  Pilatos. Na summidade  deste  monte,  fôra vista, noites seguidas, uma sombra singular, tendo a forma humana, e em attitude de  lavar as mãos. Até que, afinal, o mao espirito de Pilatos encontrou descanço. - Confr. Wetzer e Welte, I. e. Vol. XVIII, pg. 321; Le Camus, 1. e., Vol II, pg. 562; Cornelius a Lapide , Comm. In Math. XXVII, 19, nota; Felten 1. e. , Vol. I, pg. 211 e seg.   

 


 

 

ll  Ileglidades   -   Tópico Final

 

Si ha uma instituição  a que  se deva  o respeito dos homens , é sem duvida um Conselho juridico. 

É elle a sentinella avançada da moralidade  do Direito, é a espada de Damocles sobre  o abuso da força, é o escudo de Pallas que dá  guarida ao desamparado, é Judith que livra o povo de seu inimigo, é Cheréa que desembaraça a humanidade  dos seus Caligulas. 

Mas, para que se mantenha sempre na altura do seu fim, torna-se necessario que seus Membros se destaquem pela prudencia e sensatez em seus julgamentos, pela independencia de caracter, pela rectidão nas intenções. 

Não sendo assim,  não teremos Juizes, mas mercenarios de Themis, vendilhões do Templo; a Justiça seria arrastada pela  Suburra das  paixões, e  a Suprema Magestade do Direito encontraria nelles, o seu maior  ludibrio. 

 Estas foram, entretanto,  as condições moraes, que  presidiram ao julgamento de Jesus Christo. O Synhedrio, diz Lemann, citado por Chauvin: "não era, nesse tempo, sinão uma assembléa de homens em sua maior  parte  indignos de suas funcções. Nelles nenhuma piedade, nenhuma  justiça, nenhum valor moral: os proprios  historiadores  hebreus os condemnaram. 

José Flavio qualifica-os de  ambiciosos, ladrões, soberbos e violentos. 

Os proprios chefes, eram homens sem moralidade e sem caracter. A nomeação  de Caiphás  a Grande Sacerdote, a Presidente, portanto, do Conselho, fôra fructo exclusivo dos manejos, das intrigas  do seu astuto sogro Annaz, e muito provavelmente do dinheiro profusamente expendido. 

Sabemos quem era Pilatos. Creatura de Sejano, protegido de Tiberio, não aos seus meritos pessoaes, mas á fortuna do momento devia a Jurisdictio e o  Imperium das Judéa. Verdadeiro camaleão, ora pusillanime, outra feroz; porém, sempre venal. Não possuindo dinheiro, roubava-o. Assim fez quando lançou mão dos thesouros do Templo para a construção de um Aqueduto. Quando lhe tornava mais commodo, recorria á traição. Uma vez vestiu soldados romanos á moda dos hebreus, e, assim disfarçados, mandou massacrar os cabeças de um motim popular. Philon  nol-o mostra pyrronico e orgulhoso. 

Estes, pois, eram os Juizes perante os quaes tinha de comparecer Jesus. Que se  havia de esperar no Templo da Justiça, de uns taes Sacerdotes?

Abuso de poder, perseguição, injustiça, eis o que podia esperar Jesus e eis o que realmente se deu. 

Queira o benigno leitor acompanhar-nos  e verificar comnosco de  quantas irregularidades e illegalidades fôra víctima o filho de Maria, no espaço de doze horas. 

Judas recebeu trinta dinheiros para a entrega de Jesus. De quem os recebeu?  De quem  partiu o suborno?  Dos Principes dos Sacerdotes, dos Anciãos, isto é, desses mesmos  que deviam formar o Supremo Tribunal  que havia de julgar Jesus. Ora, a Lei prohibia o suborno. E si era vedado aos  Juizes receber donativos ou dinheiro dos  que  estavam implicados, directa ou indirectamente, nas malhas da Justiça, segundo o dispositivo: "Non accipies personan, nec munera" (Deut. XVI, 18) , a fortiori era vedado aos Juizes offerecer  dinheiro em prejuizo da justiça: primeira irregularidade. 

Jesus foi obrigado a um interrogatorio perante Annaz.  Ora, esta  era uma  violencia, porque Annaz não era o Summo Sacerdote: segunda  irregularidade. 

Podiam ser duas  horas da madrugada quando levaram  Jesus á casa de Caiphás para submettl-o, naquela mesma hora, ao interrogatorio. Ora, as causas  judiciarias, por lei, não podiam ser tratadas  durante a noite, mas sim desde o levantar ao pôr do sol. Terceira irregularidade. 

Jesus, nessa mesma  noite, e pelos poucos Membros do Synhedrio recolhidos  na casa de Caiphás, foi condemnado á morte. Ora, a sentença era nulla de pleno direito, porque uma sentença capital só podia ser pronunciada um dia depois do primeiro  comparecimento do accusado.  Quarta illegalidade.  (Ch. Letourneau:  L'Evolution juridique, Cap. X, pg 288)

Uma sentença capital não podia, sob pena de nullidade, ser proferida na vespera do grande dia de Paschoa. Mas  foi pronunciada  contra Jesus.  Quinta illegalidade.  

Deviam ser rejeitadas as  testemunhas falsas. Os Juizes, porém,  as  procuraram contra Jesus (Matth. XXVI, 39 - Marc. XIV, 55) apezar da  determinação  formal que  prohibia o falso testemunho (Exod. XX, 16 - 21).  Sexta illegalidade. 

Contra as  falsas testemunhas  a lei era inexoravel. Obrigava o Juiz a  ser  inflexivel contra ellas, devendo-as condemnar á pena do talião: "Si steterit textis mendax contra hominem,  reddent ei sicut fratri suo facere cogitavit... Nom misereberis ejus, sed animam pro anima, oculum pro oculo, dentem pro dente, manum pro mano, pedem pro péde exiges. (Deut. XIX, 16 e seg.)

Entretanto, nada de  desagradavel aconteceu ás testemunhas que depuzaram  o falso contra Jesus. É a setima irregularidade. 

As testemunhas deviam, segundo o dispositivo legal, ser interrogadas separadamente, sem serem vistas pelo accusado. Não se observou este dispositivo no processo de Jesus. É a  oitava. 

O Grande Sacerdote, presidente  do Synhedrio, num assomo de zelo hypocrita, ao ouvir Jesus proclamar-se Filho de Deus, rasgou as vestes.  Ora, a lei prohibia terminantemente este acto: "Caput non discoperit, vestimenta non scindet" (Lev. XXI, 10).  É a nona.

O Presidente do Conselho dispensou  ulterior depoimento de testemunhas.  (Matth. XXVI, 65 - Marc.XIV, 64,64)  Mas  isso era contra a lei. É a  décima. 

Não podia ser processado o accusado que não tivesse previamente feito o juramento legal. Este dispositivo  não foi observado com respeito a Jesus. É a  undécima.

A lei punia  quem tivesse  batido em outrem:  "Qui percusserit hominem, punietur" (Lev. XXIV, 21), e  era  severa especialmente quando o offendido era o accusado. Quem désse  a  este uma bofetada, era condemnado á multa de  duzentos a  quatrocentos siclos. Entretanto Jesus  foi esbofetado por um servo brutal do Grande Sacerdote, sem que  houvesse, de parte de quem quer que fosse, o minimo protesto. É a  décima segunda. 

Quanto ao  processo criminal perante o tribunal romano, não se observara quasi  nenhuma das normas  que estavam  em vigor desde a  epoca dos Reis. Todo o processo era dividido em  duas phases ou estadios: processo in jure, isto  é, perante o Magistrado, e o processo in judicio, isto é, perante os jurados, encarregados da  decisão definitiva. 

O processo  in jure,  começava  pela  accusação do accusador, ou accusadores, ao Presidente  do Tribunal, Quaesitor. Note-se, porém,o accusador devia, antes de tudo, requerer a  licença  para fazer a  accusação, alcançada a qual, procedia ao seu papel accusatorio,  criminis delatio, o  qual era apresentado por escripto, contendo em termos precisos a  natureza e as circumstancias do crime. Si a accusação era procedente, o Quaesitor a  acceirava, fazendo inscrever, nos Registros  dos processos  criminaes, o nome do réo,  nomem recipere. Feito isto, citava-se o réo para comparecer:  Si o réo confessava o crime, o Magistrado procedia, neste  caso, de conformidade com a lei, condemnando-o;  si não, era  marcado o dia  da convocação para o processo. Aqui terminava a primeira phase, ou processo  in jure. 

O processo in judicio começava com a formação do Conselho juridico. Os nomes  dos jurados  ou eram extrahidos  por sorte, como nos tempos primitivos, ou eram escolhidos  pelo Magistrado. 

No primeiro caso, as partes tinham o direito de rejeitar cincoenta dos nomes apresentados pela lista  do  adversario;  no  segundo, podiam recusar um certo numero  impar, determinado por lei. 

Formado o Jury,  procedia-se  ao debate que constava  de tres partes  distinctas: accusação, defesa, provas. Terminado o debate, os jurados prestavam  o juramento e  tratavam da  sentença que  era quasi  sempre dada por  escrutinio secreto. O imputado julgava-se  condemnado quanto tivesse, contra, a  maioria de  votos, julgava-se absolvido quando houvesse paridade, ou a maioria  em favor.  (1)

O processo, desde  a  sua instauração até  á  sua conclusão, devia passar  por quatro termos ou periodos. Entre os tres  primeiros não havia intervallo determinado de tempo, entre o terceiro e o quarto, porém, tinham de passar tres dias; si durante o ultimo periodo, por um motivo qualquer, não se concluiam os trabalhos, todo o processo era, por lei, considerado nullo. 

Pois bem,  no Processo de  Christo, não foi observada  nenhuma das disposições a  que alludimos e das outras  a  que iremos alludindo no correr  deste escripto.  Não houve nem processo  in jure nem in judicio, nem ordinario, nem extraordinario. (2) 

As causas criminaes só tinham principio da hora terceira (nove horas da  manhã) em diante. A Causa de Jesus começou ás sete. É a  decima terceira irregularidade esta que registramos. 

Jesus não podia  ser levado, á  força, á presença de Pilatos. Na hypothese estivesse na competencia dos seus inimigos trazel-o ante o Procurador romano,  a coacção era admittida só no caso de resistencia do accusado. Neste caso, a lei exigia que a rebeldia fosse  testemunhada por algumas pessoas, e só depois disso era autorizada a violencia: "Si in jus vocat, ito. Ni it, antestamino: igitur em capito". (Lei das XII Taboas - Tab. 1. n. 1. Leggi delle XII Tavole, Testo e Traduzione del Dottor Nereo Cortellini.)  Todos  estes quesitos foram violados. Decima  quarta. 

A lei prescrevia  que as partes se  accordassem sobre o logar do julgamento: "Rem ubi pacunt orato". (Lei das XII Taboas - Ib. n. 6.) Não houve, porem, este accordo. Decima quinta illegalidade. 

Quem injuriasse a outrem, pena: 25 asses de multa:  Si injuriam faxit,viginti quinque poenae sunto". (Tab. VII, n. 4.) Pilatos vira a que estado tinham reduzido Jesus. Mas nem siquer se lembrou de apurar responsabilidades. Decima sexta. 

Era condemnado á morte quem falsamente accusasse ao seu semelhante de uma falta da qual resultasse, para o accusado,   deshonra ou vergonha. (Tab. VIII, n. 1 b. Allus.)  Ora, os  Principes dos Sacerdotes procuraram deshonrar a  Jesus, attribuindo-lhe um triplice crime:  1º. , de ter sublevado o povo contra o poder constituido; 2º., de o ter subornado para não pagar o tributo; 3º. , de se ter proclamado rei. (Luc. XXIII, 2.)  Não chamou, porém, o rigor da lei sobre os calumniadores. Decima.

 Chegando a provar-se que alguem tinha deposto o falso, era severamente punido. Sendo julgado em Roma,  era precipitado da rocha Tarpeia. "Ex XII tab. - si  nunc quoque - qui falsum testimonium dixisse convictus esset, e saxo Tarpeio deiceretur". (Tab. VII, n. 23. Allus.)  Pilatos proclamára solemnemente, mais de uma vez, que Christo era innocente. (Math. XXVII, 18; Luc. XXI, 2)  Sabia , pois,  que os que depunham contra elle, depunham o falso. Deixou, porém, violar impunemente a lei, em detrimento exclusivo de Jesus.  Decima oitava. 

A flagellação só podia ter logar depois do julgamento  e condemnação á pena capital. Violou-se  esta lei com respeito a  Christo. Decima nona. 

E mesmo não houvesse (como havia) a disposição precedente, o supplicio da flagellação, por lei, só podia ser applicado a um escravo. Ora, Jesus era  pessoa livre. Vigesima. 

Não podia  ser processado nem condemnado ninguem, sem previa  designação e inquirição das testemunhas. Nem esta formalidade  foi preenchida por Pilatos. Vigesima primeira. 

O Juiz tinha,  por lei, de conceder á  parte o tempo necessario para a escolha de um advogado. Pilatos  não o concedeu a Christo. Vigesima segunda. 

Finalmente,  e recapitulando, ninguem podia ser levado á morte sem ter sido antes  legalmente  processado, e legalmente condemnado:  "Interficit, indemnatum quemcum que hominem, etiam XII tabularum decreta vetuerunt". (Tab. IX, n. 6.  Allus.) Disposições  que foram fria e criminosamente desprezadas em prejuizo de Jesus. 

Depois do que acabamos de  expender, poderá fazer-se  uma pallida idéa do critero juridico usado por Renan, affirmando, no seu Romance, que a condemnação de Christo estava de accordo com a lei. 

Mas era  necssario que tudo isso se désse. A iniquidade dos homens, que nesse negro momento tomaram de assalto a  pessoa de Jesus, tornava-se, nas mãos de Deus, e sem sabel-o, o instrumento obediente encarregado de  aplainar o caminho por onde havia de  passar, triumphante, o Nazareno. Aproximava mais depressa o Christo do Calvario, que desde as  epocas mais remotas, era o ponto centripeto dos olhares dos Prophetas e dos anhelos da humanidade. A morte de Jesus era necessaria. E nos, que  á distancia de vinte seculos, nos lembramos ainda, com religioso terror, na tragica noite de  14 de Nisan,  abrimos, entretanto, o animo á esperança e ao sorriso ao raiar da  aurora do dia de Paschoa, e nos sentimos levados a  entoar com a Egreja:   O felix culpa, quae talm, ac tantum meruit habere Redemptorem!

                                     FIM

 


 

(*)  Nota de Rodapé na base 

Notas de rodapé     * Para voltar ao texto, clique no tópico abaixo.   

(1)  Guido padeletti - Storia del Diritto Romano,  Cap XXXVII.   No tempo de Christo acabava de ser introduzido o Voto de Minerva, Calculus Minrve. O Imperador Augusto fôra o primeiro  a valer-se desse privilegio. Tinha logar quando o imputado  era condemnado por maioria de um voto. Neste caso o voto do Imperador equilavia á absolvição. V. Cogliolo, nota 2ª. do Cap. citado.  

(2)  O  Processo  extraordinario, extraordinem, era  mais  ou menos  como o ordinario. Omittiam-se, porém, as formalidades prescriptas neste ultimo, e o réo tinha o direito de recorrer da sentença do Magistrado ao Imperador. 

 

 

 


 


 

 


 

 

 


 




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