Postado em: 30/06/12 às 08:59:12 por: James
Categoria: Saiba Mais
Link: http://www.espacojames.com.br/?cat=19&id=9912
Marcado como: Artigo Simples
Ver todos os artigos desta Categoria: Saiba Mais
Visitando as catacumbas, no subsolo da cidade de Roma, o peregrino não pode deixar de sentir um misto de assombro e reverente curiosidade ao percorrer os lugares onde os primeiros cristãos se ocultavam das perseguições que lhe moviam os imperadores pagãos.
Ali ele esquadrinha com os olhos as antigas inscrições e as toscas pinturas, procurando imaginar o que sentiam, o que pensavam, e como teriam ali vivido esses nossos ancestrais na fé. Passa lentamente a mão sobre as pedras e, de repente, depara-se com algo gravado em relevo. Trata-se do desenho de um pequeno peixe, rudemente traçado, mas sem dúvida um peixe
Qual é o seu significado?
A palavra peixe em grego se dizia “ichthyos” (ΙΧθΥΣ), mas entre os primeiros cristãos era usada como um anagrama, pois suas cinco letras eram também a abreviação da frase: Iesous Christos Theou Yios Soter (Jesus Cristo Filho de Deus, Salvador). A figura tinha, ademais, um significado místico, porque, como os peixes, também os cristãos eram “nascidos nas águas“.
Tratava-se, pois, de um dos primeiros símbolos criados para representar realidades da fé e da vida cristãs.
Com efeito, toda instituição sadia que se forma ou adquire uma personalidade própria, tem como uma de suas primordiais preocupações desenvolver símbolos que a caracterizem e distingam das demais. E uma das manifestações da riqueza e força espirituais da Igreja Católica é a fecundidade em traduzir numa exuberante coleção de símbolos o universo sobrenatural que ela contém.
Acima de todos, sem dúvida, está a própria Cruz, sinal por excelência instituído pelo próprio Salvador que nela quis derramar todo o seu Preciosíssimo Sangue para nossa redenção. No entanto, é espantosamente grande o número dos símbolos cristãos, como grande é a quantidade de carismas e vocações dentro da Igreja.
Brasões eclesiásticos
Um capítulo particularmente interessante dessa história é o da heráldica eclesiástica.
Denomina-se heráldica o estudo dos brasões cujos significados, regras e convenções foram se sedimentando desde meados da Idade Média. Na heráldica eclesiástica, os brasões se dividem em duas categorias: pessoais, por exemplo, o de um bispo ou de um abade; e impessoais, como o de uma ordem ou de uma associação religiosa.
Cada família nobre européia possuía seu brasão. Tornou-se comum que bispos também o possuíssem, pois pertenciam a uma nobreza espiritual, a título de sucessores dos Apóstolos. Até os dias de hoje, depois de ordenado, o novo bispo deve definir como será o seu.
Os brasões medievais eram muitas vezes encimados por um elmo, que indicava a origem guerreira daquele ramo nobiliárquico. Aos religiosos, emissários da paz, não ficaria bem o elmo da guerra, razão pela qual os brasões episcopais têm em seu topo o “chapéu do peregrino“.
Os Brasões Cardinalícios, Patriarcais, Arquiepiscopais e Episcopais não apresentam diferenças substanciais, mas detêm traços diferenciativos, além é claro dos elementos próprios que cada Bispo insere no escudo.
Como reconhecê-los simplesmente admirando sua beleza? Um católico atento, ao observar a presença de um brasão poderá distinguir o grau hierárquico ou de honra do seu detentor.
Brasão Cardinalício
Cruz Patriarcal
Outro elemento diferenciativo é a Cruz. Nos Brasões Cardinalícios, Patriarcais e Arquiepiscopais (e dos Legados Pontifícios) usa-se a Cruz Patriarcal, ou seja, a Cruz com 2 traves (ou com 4 pontas), enquanto os Brasões Episcopais usa-se a Cruz de uma trave (2 pontas) ou Cruz do Calvário.
Os brasões eclesiásticos são ornados por borlas. Pendentes simetricamente dos dois lados do chapéu, elas indicam, por suas cores e número, o grau de hierarquia. Assim, um cardeal tem trinta borlas vermelhas, um arcebispo vinte verdes, e um bispo doze, também verdes.
Oito séculos da história dos Papas
Brasão do Papa João XXIII
O brasão pontifício é o único que possui a tríplice coroa chamada “tiara“. No início, era apenas um tipo de barrete fechado. Em 1130 foi acrescido de uma coroa, símbolo de soberania sobre os Estados da Igreja. Bonifácio VIII, em 1301, acrescentou uma segunda coroa, na época do confronto com o Rei da França, Filipe o Belo, provavelmente para representar a autoridade papal em face da temporal. E Bento XII acrescentou em 1342 uma terceira coroa, para significar a autoridade moral do Papa sobre todos os monarcas.
Com o tempo, tendo perdido seus significados de caráter temporal, a tiara de prata permaneceu com as três coroas de ouro, para representar os três poderes do Sumo Pontífice: de Ordem sagrada, de Jurisdição e de Magistério.
Saindo pelos dois lados do escudo, figuram a chaves pontifícias, uma em ouro, outra em prata. Simbolizam a esfera espiritual e a temporal, e lembram o “poder das chaves” dado por Jesus a Pedro e seus sucessores: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus, e tudo o que ligares na terra será ligado no céu, e tudo o que desligares na terra, será desligado no céu” (Mt 16,19).
Brasão do Papa João Paulo II
Ao analisar a série de brasões pontifícios elaborados ao longo de quase oito séculos, podemos descobrir traços da história dos papas que os usaram, o que equivale a dizer parte significativa da história da própria Igreja. Por exemplo, São Pio X, João XXIII e João Paulo I foram Patriarcas de Veneza. Os brasões dos três documentam esse fato, estampando o leão alado de São Marcos, símbolo dessa maravilhosa cidade.
João Paulo II, papa profundamente mariano, quis fazer em seu escudo uma referência formal a seu afetuoso e filial ato de entrega à Santíssima Virgem Maria: nele fez gravar um grande “M”, tendo abaixo a frase “Totus Tuus” – “Todo Vosso”.
O Brasão de Bento XVI
O brasão do Papa Bento XVI é rico em significados, vários dos quais vêm de seu tempo de arcebispo e de cardeal, se bem que ordenados de modo diverso na nova composição. No campo central, em vermelho, vê-se uma grande concha dourada. Recorda ela a lenda segundo a qual Santo Agostinho encontrou na praia um menino que com uma concha procurava transferir a água do mar para um buraco cavado na areia, símbolo do vão esforço de procurar fazer entrar na limitada mente humana o mistério da Santíssima Trindade.
Na parte do escudo denominada “capa” encontram-se também dois símbolos provenientes da tradição da Baviera, introduzidos em 1977 no brasão arquiepiscopal de Joseph Ratzinger. No ângulo direito (à esquerda de quem olha), está uma cabeça de mouro, que é o antigo símbolo da Diocese de Freising. No ângulo superior esquerdo está representado um urso carregando um fardo.
Segundo uma antiga tradição, o primeiro Bispo de Freising, São Corbiniano, ao atravessar uma floresta, foi atacado por um urso que lhe devorou o cavalo. O Santo aplacou a fera e a fez carregar até Roma sua bagagem.
* * *
Analisar a sucessão dos símbolos cristãos ao longo dos séculos é fazer um interessante estudo da história da própria Igreja. Cada geração acrescenta um novo elo a essa cadeia ininterrupta, iniciada pelo próprio Cristo Senhor Nosso. Desde a antiqüíssima figura do peixe, gravada numa pedra já quase desfeita, até o brasão de um bispo recém-ordenado, todos fazem parte da mesma história desta Igreja peregrina e imortal, que sem cessar se renova ao sopro do Espírito Santo.
Renova-se como uma grande e saudável árvore cujas raízes estão solidamente plantadas no fértil solo do passado, e cujos novos ramos se multiplicam possantes e verdejantes, voltados para o céu, para o futuro.
Matéria de Carlos Toniolo(Revista Arautos do Evangelho, Maio/2006, n. 53, p. 37 à 39)