Postado em: 27/03/14 às 11:29:23 por: James
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Entrevista com Rafael Vicuña, Bioquímico da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano.
Como é o funcionamento da Pontifícia Academia de Ciências?
Temos dois tipos de reuniões: existem as plenárias, das quais participam todos os membros da Academia, com a presença ocasional, embora rara, de algum cientista convidado. Como aí estão todos os cientistas da Academia, que somos de variadas áreas do conhecimento, discutimos temas mais gerais, como por exemplo os valores culturais da ciência, o valor do descobrmento científico, a complexidade da ciência. Assim, o astrônomo, o biólogo, o filósofo, o matemático, o químico, podem abordar esses temas dentro de sua própria perspectiva.
E a Academia, três ou quatro vezes por ano, organiza pequenos workshops ou encontros sobre temas mais específicos; nesses casos – como o dos glaciares, de que participei; ou o das células-tronco, dos transgênicos, da morte encefélica, da astrobiologia –, algums membros da Academia, os que mais estão ligados ao tema, convidam os maiores especialistas do mundo na área (mesmo que não sejam membros) para podermos analisar um tema mais a fundo.
Qual o critério para a escolha dos temas? O Papa intervém na decisão sobre os assuntos discutidos pelos acadêmicos?
Os próprios integrantes da Academia propõem temas à direção – como eu estou atualmente na direção, estou bem envolvido com esse processo –; eles dizem “vejam, está havendo essa ou aquela tendência em tal área da ciência, então seria bom que convidássemos os especialistas para ter uma discussão a respeito aqui na Academia, no Vaticano”. Mas ocasionalmente pode ocorrer que o Papa ou membros da hierarquia católica nos sugiram temas. Quanto discutimos a morte encefálica, eu não estava na direção, mas tive essa impressão, como se a hierarquia quisesse ter mais informação a respeito da morte encefálica e tivesse nos perguntado “por que vocês não covocam uma reunião?” E assim ocorreu, com alguns membros da Academia e muitos especialistas, principalmente médicos neurologistas.
Mas nem todos os resultados das discussões da Academia acabam se transformando em textos pontifícios ou magisteriais.
Depende. Por exemplo, o texto sobre a morte encefálica se converteu em documento oficial e foi publicado pela Academia; dizer que é da Academia é, de certa forma, dizer que é da Igreja. Tecnicamente, claro, não é a mesma coisa que um documento, por exemplo, da Congregação para a Doutrina da Fé, mas as pessoas entendem nossos documentos como um pronunciamento oficial que tem a aprovação do Vaticano.
No entanto, também há ocasiões em que nós, da Academia, fazemos declarações e as publicamos, mas sem vinculá-las à Academia, especialmente quando há conferências episcopais com diferentes pontos de vista. Aconteceu, por exemplo, com os transgênicos; bispos de várias partes do mundo não tinham opiniões favoráveis e percebemos que, se fizéssemos uma declaração oficial a favor, criaríamos um conflito desnecessário. No fim, a declaração foi publicada, mas não como um documento oficial da Academia; ele saiu só com a assinatura dos cientistas – inclusive com a minha, porque sou favorável aos transgênicos.
E em que temas a Academia vem trabalhando?
Estamos pensando num congresso sobre educação – sempre temos workshops de educação porque este é um tema que nos interessa muito. Ano que vem teremos um encontro sobre células-tronco; já tratamos deste assunto antes, mas surgem novidades e novos desafios éticos, então é bom voltar ao tema periodicamente. Será naquele modelo em que alguns poucos membros da Academia convidam os melhores especialistas do mundo. A sessão plenária do próximo ano será sobre a complexidade na ciência.
Às vezes se ouve uma crítica de que a Igreja deveria reagir mais rapidamente às novidades científicas e tecnológicas. Como o senhor avalia esta questão?
A Igreja é muito sábia, orientadora e formadora de todos os que pertencemos a ela, e não pode ser precipitada. Como cientista, eu realmente gostaria de ver a Igreja com uma atuação mais explícita em algumas áreas da ciência. No caso da evolução, por exemplo, acho que ela poderia dar um passo adicional. Mas, por outro lado, sei que esses assuntos não têm a ver com o lado mais pastoral da Igreja, com os dogmas, ou com problemas de filosofia antropológica. Eu gostaria – mas é uma opinião muito pessoal – que a Igreja assumisse um papel de mais protagonismo nesse caso. João Paulo II deu um grande salto em 1996 e eu acho que poderia ocorrer de novo.
Houve uma certa polêmica no Brasil quando o neurocientista Miguel Nicolelis foi nomeado para a Academia; católicos se perguntaram como o Papa poderia nomear alguém que defende o aborto e a união homossexual, e esquerdistas acusaram Nicolelis de “se vender ao Papa” por ter aceito a nomeação. Como ocorre esse processo na Academia?
Os novos integrantes são nomeados por votação direta dos acadêmicos, a partir de nomes sugeridos pelos próprios membros. A Academia faz algumas averiguações e confia no critério de quem sugere nomes. Como a Academia é vista pelo público como um órgão do Vaticano, muitos poderiam querer que os integrantes compartilhassem dos princípios e da ética católicas, mas temos muitos membros que não são católicos por várias razões, e são todos bem vindos. A Academia é internacional; nem todos são católicos, mas é preciso que todos estejam de acordo com alguns princípios éticos básicos. Quando incorporamos um acadêmico, esperamos que continue com sua ciência e sua busca pela verdade, e o faça no espírito de tolerância e respeito, como temos feito na Academia. Um exemplo bem relevante é o de Stephen Hawking, que é membro da Academia e vem falando da falta de necessidade de um Criador; isso reflete a pluralidade da Academia e o respeito que temos pelos não religiosos.
Essa diversidade traz que tipo de desafios?
Há diversas opiniões de membros sobre eutanásia, células-tronco, e um lado ruim disso é que, quando queremos fazer uma declaração, nem sempre podemos ter respaldo da Igreja porque algumas vezes as declarações têm termos de que eu particularmente não compartilho. Por exemplo, eu concordo com a Igreja que não podemos destruir embriões para tirar células-tronco; penso assim não só por fidelidade à Igreja, mas também como cientista.